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“Everyone is disappointing, the more you know someone”

23/06/2009

Essa é uma das primeiras frases do filme Sinédoque, Nova York, e sintetiza muito bem o que esperar das pessoas e dos próprios personagens do filme. Fato é que todos os filmes do Charlie Kaufman giram em torno do processo de como a mente humana lida em relação à vida, ao amor, morte, sentimentos. Em alguns de seus filmes isso é bem literal, como em Quero ser John Malkovitch ou Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças. Ou mesmo de forma mais sutil, como em Confissões de uma Mente Perigosa, Adaptação e Natureza Quase Humana. Fato é que esse uso da psicologia humana está sempre presente em seus filmes. Em Sinédoque o roteirista constrói um personagem denso, pessimista chamado Caden Cotard (procurem sobre a Síndrome de Cotard e terão uma bela surpresa e mais um dos detalhes impressos pelo roteirista), que sempre enxerga o pior lado da vida e vive constantemente doente dentro de seu próprio mundo.


synecdoche


Demorei muito para perceber, mas diante de tantas viagens e delírios no filme, o que a gente percebe é que aquele mundo que estamos vendo nada mais é que a percepção emocional e psicológica de Caden. Por exemplo: Hazel, a bilheteira do teatro, mora numa casa que está constantemente pegando fogo. E ninguém parece se importar com isso, representando tantos lares cuja instabilidade psicológica dos moradores fazem com que sua própria vida esteja por um fio, a ponto de pegar fogo. Outro exemplo: O protagonista sempre se vê no desenho animado que sua filha vê na TV. Dessa forma, Kaufman realiza o filme através da percepção emocional de Caden, e acompanhamos e vivemos todas suas neuroses como algo integrante, e não como algo externo.

Ele é um homem tão centrado em si mesmo, que apesar de viver rodeado de mulheres por sua vida, é um homem egoísta. Durante o filme há uma grande passagem de tempo, e para Caden a vida parece não passar. Sua filha, para ele ainda tem os mesmos 4 anos de quando sua primeira mulher o abandonou. Isso porque ele vive sua vida sem de fato experimentá-la. Imerso em seu próprio eu e suas angústias, ele não percebe o tempo passando ao seu redor.

E é neste aspecto que Charlie Kaufman mais uma vez comprova seu absurdo talento: embora nossa eterna busca pelo “sentido da vida” tenha originado milhares de obras na Literatura, no Teatro, na Música e no Cinema, o roteirista adota uma estrutura narrativa ímpar e mais do que apropriada à sua função como contador de histórias para investigar a questão: premiado com uma verba inesgotável para criar o espetáculo que desejar, Caden resolve conceber um simulacro de seu mundo em um galpão, contratando dezenas de atores que, todos os dias, recebem instruções específicas sobre como deverão interagir com os demais intérpretes. Uma espécie de performance da Vida, a montagem de Caden o transforma, na prática, num Deus de seu próprio universo, permitindo que ele explore a própria psique enquanto busca encontrar, através da experimentação constante, o grande Significado de Tudo. Com isso, o título do filme se justifica ao transformar Caden e suas angústias num símbolo da Humanidade e a própria Humanidade, em suas contradições e seus esforços de compreender o Universo, num resumo da jornada do próprio Caden. E logo ele constrói um galpão dentro do galpão, dentro do galpão, num exercício narrativo constante.

E é neste ponto que compreendemos a inteligência de Kaufman ao retratar Adele (primeira mulher de Caden) como uma pintora que cria retratos minúsculos que exigem lentes de aumento para serem apreciados, já que, é exatamente isso que Caden faz com sua megalomaníaca produção, jogando luz sobre cada um de nós ao compreender que, por mais que sejamos meros figurantes no que diz respeito à Humanidade, somos, claro, todos protagonistas de nossas próprias vidas. Difícil, mas fascinante.